quarta-feira, 15 de abril de 2009

Quando os investidores agem em função da raiva

Paulo Possas
O nosso universo é construído a partir de pares opostos. Nos mercados, eles são tradicionalmente o medo e a ganância. Do confronto dos opostos e de suas interações no curto, médio e longo prazos, surgem os preços, tendências, reversões, sistemas técnicos, análises quantitativas e muitos palpites dos gurus do mercado. Recentemente, porém, percebemos nos chats de investidores americanos um sentimento igualmente forte, bem descrito na psicologia, mas de pouca consideração nos modelos econômicos: a raiva. Mais especificamente, pudemos notar que alguns investidores estavam agindo em função da raiva.

Evidentemente, estes comentários não se constituem um estudo acadêmico. Por isso mesmo, não tentamos quantificar a raiva percebida. Mas podemos adiantar algumas características. Em primeiro lugar, trata-se de um fenômeno americano. Não pudemos percebê-lo em investidores brasileiros e ingleses. Aqui prevalecem os velhos sentimentos de medo e ambição. Em segundo lugar, trata-se de uma raiva visceral. Contra Bush e Obama. Contra Paulson, Bernanke e Geithner. Contra o Fed, a SEC, os políticos e, sobretudo, contra os bancos, os grandes vilões, e o socorro a eles. Pesquisa recente, da Pew Research revela que 87% dos americanos estão aborrecidos com o socorro e 48% admitem ter raiva. Mesmo entre os americanos que concordam que os bancos devem ser socorridos, 36% estão furiosos. Em outra ocasião, Ben Bernanke, um homem calmo, também admitiu raiva (com a AIG).

As razões presumíveis são as frustrações com a perda de riqueza e com a perda de um modelo em que todos acreditavam, e se seguem à busca de culpados e à imensa vontade de punir. É aí que entra o inédito: ver pessoas punindo, com raiva, a partir de vendas maciças e a descoberto. Não são profissionais. São investidores comuns, com discursos patriotas, às vezes simplistas. Mas é marcante a diferença do discurso destas pessoas do de outros que compram ou vendem por ganância ou medo.

Este fenômeno de massa, se existir, foi viabilizado pela existência dos "Inverse ETFs". Estes são fundos que reproduzem uma posição de venda a descoberto, ou contrária, a um índice, um setor industrial, uma commodity, bonds, etc. Antes, se um pequeno investidor queria ficar "short" em bancos, tinha de vender uma carteira de ações, alugar os papéis, oferecer garantias e assinar contratos. Hoje, ele clica no computador e compra um fundo que faz isso tudo e negocia como se fosse uma ação. É facílimo e as pessoas podem comprar siderurgia, vender mineração, comprar bonds e vender ações de empresas pequenas ou estrangeiras ou emergentes etc. Isto facilitou sobremaneira essa atuação "raivosa" que, além de violar o seu próprio interesse e ser um comportamento inverossímil para o "homo economicus", seria também inviável há, digamos, cinco anos.

A pesquisa acadêmica mostra que isto pode estar acontecendo. Inúmeros desvios da teoria de mercados eficientes já foram documentados pelas finanças comportamentais. A grande importância das emoções no nosso processo de tomada de decisão é cada vez mais compreendida e estudada: elementos afetivos assumem seu papel ao lado de processos cognitivos de alto nível.

Pesquisas mostram, por exemplo, que a performance do trader do mercado financeiro é afetada por esses fatores. Quanto maior o seu envolvimento emocional com seus ganhos e perdas, menor o seu lucro a longo prazo. Mas existem evidências de que o medo e a raiva têm efeitos opostos na percepção do risco: enquanto pessoas com medo fizeram avaliações de risco pessimistas e fizeram escolhas avessas ao risco, pessoas com raiva expressaram avaliações otimistas em relação ao risco e fizeram escolhas propensas ao risco. Talvez porque quem tem raiva se sinta mais no controle da situação do que quem tem medo. Isso apesar de a raiva e o medo, ambos, terem uma valência negativa.

As consequências práticas do fenômeno não serão grandes porque a velha dicotomia entre ganância e medo ainda é dominante. Mas, se a impulsividade da raiva for maior que a do medo, será menos duradoura. Feita a catarse, há uma "mauvaise conscience" já que a raiva é malvista e, com isso, a reversão pode ser rápida. Isso é consistente com a volatilidade neste instante de poucas notícias realmente relevantes. Por outro lado, à raiva associa-se a um traço de depressão, o que também se verifica no mercado americano. Há uma expectativa pelo pior e quase uma torcida para que ele venha. Os alemães chamam a essa alegria pela desgraça de "schadenfreude". (Colaborou Flávia Possas - mestre em psicologia econômica pela universidade de Exeter

Paulo Possas é sócio-diretor da Eagle Capital

E-mail: paulo.possas@eagle capital.com.br

Valor Economico

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