sábado, 12 de janeiro de 2008

Ações de frigoríficos dão prejuízo a investidores no 1º ano de Bovespa

Papéis são pressionados pela alta da matéria-prima e pelas barreiras às exportações

Um dos setores mais castigados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) no ano passado, os frigoríficos de carne bovina causaram grandes prejuízos aos que apostaram nos seus papéis. Quem investiu na oferta pública inicial dessas companhias (IPOs, na sigla em inglês), por exemplo, viu suas aplicações encolherem ao ritmo de dois dígitos. Com base no preço de distribuição do IPO, as ações da JBS-Friboi despencaram 25% até o último pregão do ano passado (28/12); as da Marfrig, 10,30%. A maior perda coube ao Minerva (-40,60%). As perdas continuam no início de 2008. Até o fechamento desta quinta-feira (10/1), as quedas acumuladas desde os IPOs são 13,12%, 10,23% e 43,24%, respectivamente.

A desvalorização reflete os percalços que surgem no caminho das empresas desde o ano passado. O primeiro deles é o aumento da matéria-prima – sobretudo o preço do boi, que representa cerca de 80% dos custos de um frigorífico. Até 2006, a arroba do boi (medida equivalente a 14,689 quilos) sofreu sucessivos recuos, por conta da crise causada pelo surgimento de focos de febre aftosa no país, o que acarretou o embargo de várias nações à carne brasileira. Por volta de maio de 2006, a arroba chegou a ser comercializada por 49 reais. "Deflacionado, esse preço foi um dos menores da história", diz José Vicente Ferraz, diretor da Agra FNP, consultoria especializada no setor.

Em 2007, o ciclo de preços se inverteu. A cotação do boi, que iniciou o ano na casa dos 54 reais, rompeu o patamar de 70 reais pela primeira vez na história em novembro e fechou dezembro a 71 reais, depois de atingir um pico de 78 reais em daquele mês. Nos primeiros dias de janeiro, o preço continua acima de 70 reais, segundo a Agra FNP. Na base desse aumento, está a redução do rebanho efetuada pelos pecuaristas, que procuraram cortar custos e controlar a oferta de carne. Os dados ainda são preliminares, mas o censo em elaboração pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta que o rebanho bovino brasileiro pode ter encerrado 2007 em 169,9 milhões de cabeças, uma queda de 17% sobre os 205 milhões estimados em 2006.

Para os frigoríficos, isso significa pressão sobre os custos e menores margens – algo que os investidores não gostam de ver nos balanços. No caso da Marfrig, a margem Ebitda recuou de 12% para 11% entre o segundo e o terceiro trimestres. Sem a americana Swift, comprada em meados do ano passado, a margem de ebitda da JBS-Friboi baixou de 14,1% para 13,1% na mesma comparação. E o Minerva viu sua margem encolher de 9,2% para 7%. "Na bolsa, os papéis reagiram muito mal a esses números", afirma Rafael Cintra, analista de investimentos da Link Corretora.

Mercado fechado

Quando realizaram seus road shows de abertura de capital, no ano passado, os frigoríficos tentaram seduzir os investidores com o argumento de que o Brasil se firmará como o principal exportador de carne do mundo. O país, de fato, já o é, e responde por cerca de um terço das exportações globais do setor. Até novembro do ano passado – últimos dados disponíveis – os embarques de carne somavam 10,057 bilhões de dólares, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A cifra é 29,24% superior à do mesmo período de 2006.

As perspectivas traçadas pelas companhias para os investidores, porém, indicavam que o espaço para a expansão dos negócios internacionais cresceria muito rápido. Os americanos utilizam a técnica de confinamento para criar bois, o que significa custos maiores com ração, por exemplo. Os europeus não dispõem de terras disponíveis para pastos, e o confinamento também é um recurso caro. Já os asiáticos vivem uma intensa urbanização, que eleva a demanda por carnes, ao mesmo tempo em que retira mão-de-obra do campo. Tudo isso somado, o Brasil tem condições de ampliar sua liderança, pois conta com um sistema mais barato de produção – o de pastos – e ainda possui grande quantidade de terra disponível.

Embora, no longo prazo, esse cenário seja bastante provável, o que se viu nos primeiros instantes após as aberturas de capital foi justamente o contrário. Liderados pela Irlanda e pela Inglaterra, os produtores europeus lançaram uma pesada campanha contra a carne brasileira, acusando-a de não-confiável e clamando pelo embargo total. Os europeus argumentam que a vistoria realizada nas plantas brasileiras, em março do ano passado, constatou problemas de controle sanitário e rastreabilidade.

Embora nenhuma restrição efetiva tenha sido adotada até o momento, a campanha dos pecuaristas europeus surtiu efeito em um dos maiores mercados consumidores do Brasil, a ponto de comprometer as exportações. Entre janeiro e maio de 2007, os embarques totais de carne in natura (principal produto vendido pelo Brasil) somaram 1,470 bilhão de dólares. A cifra representou um salto de 43,46% sobre o mesmo período de 2006. De junho a novembro, quando os ataques europeus se intensificaram, as remessas somaram 1,766 bilhão de dólares, ou 4,54% menos que os 1,850 bilhão do período comparado.

O último episódio é a disputa entre o Brasil e a União Européia, que pretende restringir fortemente o número de fazendas aptas a fornecer carne para seu território. As notícias mais recentes indicam que os europeus pretendem habilitar apenas 300 fazendas, de um universo de 14.000 cadastradas pelo Sistema de Rastreamento de Gado (Sisbov) do governo brasileiro.

O impacto para os frigoríficos pode ser grande. Mesmo que mais fazendas sejam autorizadas – além das 300 citadas – o mercado espera que o preço do boi para exportação suba. Isso significará outra fonte de pressão sobre os custos das companhias. Além disso, caso não contem com uma rede bem pulverizada de fornecedores, os frigoríficos poderão ficar de fora do mercado europeu. No caso das grandes companhias listadas em bolsa, essas restrições pesarão na cotação dos papéis.

Reação

A velha lei da oferta e da demanda também funciona entre pecuaristas e frigoríficos. Com a maior procura por bois, as fazendas tendem a retomar a ampliação dos rebanhos e os preços tendem a se estabilizar ou até mesmo recuar. Contudo, isso é um ciclo lento, que deve demorar pelo menos três anos – justamente o tempo para que um boi seja criado e abatido.

Até lá, os frigoríficos devem responder ao aumento de custos de outra forma: com aquisições, internacionalização e produtos de maior valor agregado. Isto porque a capacidade de repassar custos para o resto da cadeia é limitada. De acordo com dados de outra consultoria especializada no setor – a Scot -, o preço do boi gordo subiu 65,1% no ano passado no estado de São Paulo. Já o preço da carne vendida pelos frigoríficos a seus clientes aumentou 55,7%. E, no mercado externo, a alta foi ainda menor – 37,1%.

É isto que explica os acordos como o fechado nesta semana pelo Minerva com a irlandesa Dawn Farms Food, por exemplo. A planta comum será construída em Barretos (SP) e vai produzir carne cozida congelada – um item ainda fora do portfólio da companhia. "Acreditamos que é saudável agregar valor aos nossos produtos", diz Fernando Galletti de Queiroz, CEO do Minerva. Nesta mesma linha, o Marfrig comprou, em 2 de janeiro, a processadora argentina de carnes Mirab, líder em petiscos de carne seca no país. O negócio contou com um atrativo a mais – a entrada da brasileira nos Estados Unidos, por meio da subsidiária da Mirab naquele país.

Fonte: EXAME

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